OCULTISMO VERSUS ARTES OCULTAS
Helena Petrovna Blavatsky
“Tantas vezes ouvi dizer, mas jamais até então acreditara,
Que houvesse pessoas que, por meio de poderosos encantamentos mágicos,
Dobrassem aos seus vis propósitos as leis da Natureza.”(Milton)
Na Seção “Correspondência” deste mês, várias cartas dão testemunho da forte impressão causada em algumas mentes pelo nosso artigo do mês passado, Ocultismo Prático (1). Tais cartas servem para provar e reforçar duas conclusões lógicas.
(a) Há mais pessoas bem-educadas e de bom entendimento que acreditam na existência do Ocultismo e da Magia (os dois diferindo enormemente) do que supõe o materialista moderno; e
(b) A maioria dos que acreditam (incluindo-se muitos teósofos) não tem idéia definida da natureza do Ocultismo, e o confunde com as Artes (2) Ocultas em geral, até mesmo com a “magia negra”.
Suas concepções dos poderes que o Ocultismo confere ao homem, e dos meios necessários para consegui-los, são tão variados quanto fantasiosos. Alguns imaginam que tudo que necessitam para tornar-se um Zanoni, é um mestre na arte para indicar o caminho. Outros crêem que se tem apenas de atravessar o Canal de Suez e ir até a Índia para transformar-se num Roger Bacon ou mesmo num Conde St. Germain. Muitos adotam Margrave como seu ideal, com sua juventude sempre a se renovar, e pouco se importam com a alma como o preço a ser pago por isso. Muitos confundem “Feitiçaria”, pura e simples, com Ocultismo - “através do sumidouro da Terra, a partir das trevas do rio Estige (3), subi, fantasmas descarnados, para regiões de luz” - e desejam, com a força deste feito, ser tratados como Adeptos de plena grandeza. “A Magia Cerimonial”, de acordo com as regras irreverentemente apresentadas por Eliphas Levi, constitui um outro alter ego imaginário da filosofia dos antigos Arhats. Em suma, os prismas através dos quais o Ocultismo aparece, para aqueles inocentes da filosofia, são tão multicoloridos e variados como lhes pode tornar a fantasia humana.
Será que esses candidatos à Sabedoria e ao Poder sentir-se-iam muito indignados se lhes fosse contada a verdade pura e simples? Não é apenas útil, mas agora se tornou necessário desiludir a maioria deles, e antes que seja tarde demais. Esta verdade pode ser dita em poucas palavras: Não há, no Ocidente, entre as centenas de pessoas fervorosas que se dizem “Ocultistas”, nem mesmo meia dúzia que tenham sequer uma idéia aproximadamente correta da natureza da ciência que eles procuram dominar. Com umas poucas exceções, estão todos no caminho que leva à Feitiçaria. Que eles restabeleçam um pouco de ordem no caos que reina em suas mentes antes de protestarem contra esta afirmativa. Deixemos que primeiro aprendam a verdadeira relação entre Artes (4) Ocultas e Ocultismo, e a diferença entre ambos, e então se enfureçam se ainda se acharem com razão. Enquanto isso, deixemos que aprendam que o Ocultismo difere da Magia e das outras Artes (5) Secretas como o glorioso Sol difere de uma luz fugidia, assim como o imutável e imortal Espírito do Homem - o reflexo do TODO Absoluto, sem causa e incognoscível - difere do barro perecível - o corpo humano.
Em nosso Ocidente altamente civilizado, onde as línguas modernas têm evoluído e novas palavras têm sido cunhadas sob o influxo de novas idéias e pensamentos - como tem acontecido com todas as línguas - quanto mais estes pensamentos se tornam materializados na fria atmosfera do egoísmo ocidental e sua busca incessante pelos bens deste mundo, tanto menos se sente qualquer necessidade para a produção de novos termos que expressem aquilo que se considera implicitamente como absoluta e desacreditada “superstição”. Tais palavras poderiam apenas responder a idéias que dificilmente se suporia um homem culto pudesse abrigar em sua mente.
“Magia” é um sinônimo para prestidigitação; “Feitiçaria”, um sinônimo para ignorância crassa; e “Ocultismo”, os tristes restos mortais de perturbados filósofos medievais do Fogo, dos Jacob Boehmes e os St. Martins, expressões que se acredita mais que amplamente suficientes para cobrir todo o campo da “falcatrua”. São termos de desprezo, e geralmente usados apenas com relação à escória e aos resíduos das idades das trevas e dos períodos de eons de paganismo que os precederam. Por isso, não possuímos termos na língua portuguesa (6) para definir e matizar a diferença entre tais poderes paranormais e as ciências que levam à posse deles, com a refinada precisão que é possível nas línguas orientais - preeminentemente no sânscrito. O que palavras como “milagre” e “encantamento” (palavras afinal idênticas em significado, já que ambas expressam a idéia de produzir coisas maravilhosas transgredindo as leis da Natureza [!!], como explicado pelas autoridades reconhecidas), significam àqueles que as ouvem ou as pronunciam? Um cristão acreditará piamente em milagres - não obstante “transgridam as leis da Natureza” - porque se diz terem sido produzidos por Deus através de Moisés; por outro lado, rejeitará os encantamentos produzidos pelos mágicos do Faraó ou irá atribuí-los ao demônio. É este último que nossos pios inimigos associam ao Ocultismo, enquanto seus ímpios desafetos, os infiéis, riem-se de Moisés, dos Mágicos, e dos Ocultistas, e enrubesceriam se tivessem que dedicar um pensamento sério a tais “superstições”. Isto porque não existe qualquer termo para mostrar a diferença; não há palavras para expressar as luzes e sombras e desenhar a linha demarcatória entre o sublime e verdadeiro, em relação ao absurdo e ridículo. Os últimos são interpretações teológicas que ensinam “a transgressão das leis da Natureza” pelo homem, por Deus, ou pelo diabo; os primeiros - os “milagres” científicos e os encantamentos de Moisés e dos Magos de acordo com as leis naturais, ambos tendo sido aprendidos em toda Sabedoria dos Santuários, que eram as “Sociedades Reais” daqueles dias - e no verdadeiro OCULTISMO. Esta última palavra certamente se presta a equívocos, traduzida como foi da palavra composta Gupta-Vidyâ, “Conhecimento Secreto”. Mas conhecimento de quê? Alguns dos termos sânscritos nos podem ajudar.
Há quatro nomes (dentre muitos outros) para designar os vários tipos de Conhecimento ou Ciência Esotéricos, mesmo nos Purânas exotéricos. Há (1) Yajña-Vidyâ (7), conhecimento dos poderes ocultos despertados na natureza pela realização de certas cerimônias e ritos religiosos. (2) Mahâvidyâ, o “grande conhecimento”, a magia dos cabalistas e da adoração Tântrica, geralmente Feitiçaria da pior espécie. (3) Guhya-Vidyâ, conhecimento dos poderes místicos residentes no Som (Éter), conseqüentemente nos Mantras (preces cantadas ou encantamentos), que dependem do ritmo e da melodia usados; em outras palavras, uma performance mágica baseada no conhecimento das Forças da Natureza e suas correlações; e (4) ÂTMA-VIDYÂ, um termo que é traduzido simplesmente como “Conhecimento da Alma”, Sabedoria verdadeira pelos orientalistas, mas que significa muitíssimo mais.
Âtma-Vidyâ é, assim, o único tipo de Ocultismo que qualquer teósofo que admirasse Luz no Caminho (8), e que fosse sábio e altruísta, deveria esforçar-se por alcançar. Tudo o mais é apenas algum ramo das “Artes (9) Ocultas”, i.e., artes baseadas no conhecimento da essência última de todas as coisas nos reinos da Natureza - tais como minerais, vegetais e animais - portanto das coisas pertencentes à esfera da natureza material, por mais que aquela essência possa ser invisível, e tenha escapado até agora à compreensão da Ciência. A Alquimia, a Astrologia, a Fisiologia Oculta, a Quiromancia existem na Natureza, e as Ciências exatas - assim chamadas talvez porque elas sejam julgadas o inverso disso, nesta era de filosofias paradoxais - já descobriram não poucas das artes acima. Mas a clarividência, simbolizada na Índia como o “Olho de Shiva”, ou chamada “Visão Infinita” no Japão, não é hipnotismo, o filho ilegítimo do mesmerismo, e não pode ser adquirida por tais artes. Todas as outras podem ser dominadas e se pode obter resultados, sejam bons, maus, ou indiferentes; mas são de pouco valor do ponto de vista de Âtma-Vidyâ. Âtma-Vidyâ inclui todas elas e pode até mesmo usá-las eventualmente, para propósitos benéficos, mas não sem antes purificá-las de sua escória, e tomando o cuidado de destituí-las de todo elemento de motivação egoísta. Deixe-nos explicar: Qualquer homem ou mulher pode pôr-se a estudar uma ou todas das “Artes Ocultas” acima especificadas sem qualquer grande preparação prévia, e mesmo sem adotar qualquer modo de vida demasiado restritivo. Poder-se-ia até mesmo prescindir de qualquer padrão elevado de moralidade. No último caso, certamente, as probabilidades são de dez para um que o estudante iria se transformar num tipo de feiticeiro razoável, e prestes a cair abruptamente na magia negra. Mas o que pode isso importar? Os Vodus e os Dugpas comem, bebem e se divertem com as hecatombes de vítimas de suas artes infernais. E assim também os afáveis cavalheiros vivisseccionistas e os “Hipnotizadores” diplomados das Faculdades de Medicina; a única diferença entre as duas classes é que os Vodus e Dugpas são feiticeiros conscientes, e os seguidores de Charcot-Richet são feiticeiros inconscientes. Assim como ambos têm que colher os frutos de seus trabalhos e feitos na magia negra, os praticantes ocidentais não deixarão de conseguir lucros e satisfações sem receber a punição e a reputação correspondentes a tais práticas; repetimos, portanto, que o hipnotismo e a vivissecção, como praticados em tais escolas, são feitiçaria pura e simples, privados do conhecimento do qual desfrutam os Vodus e Dugpas , e que nenhum Charcot-Richet pode obter por si mesmo em cinqüenta anos de intenso trabalho e observação experimental. Deixemos, então, aqueles que querem intrometer-se na magia - quer eles entendam sua natureza ou não, mesmo que considerem as regras impostas aos estudantes muito difíceis e por isso ponham de lado Âtma-Vidyâ ou Ocultismo - seguirem sem esse conhecimento. Deixemos que se tornem magos de qualquer maneira, mesmo que se tornem Vodus e Dugpas pelas próximas dez encarnações.
Mas o interesse de nossos leitores estará provavelmente centrado naqueles que são inexoravelmente atraídos para o “Oculto”, embora nem façam idéia da verdadeira natureza daquilo a que aspiram, nem se tenham tornado livres das paixões, e muito menos, verdadeiramente altruístas.
Então, o que dizer a respeito destes desventurados, nos perguntarão, que desse modo são dilacerados pelo meio por forças conflitantes? Pois já foi comentado por demais para que se precise repetir, e o fato em si é obvio a qualquer observador, que uma vez que o desejo pelo Ocultismo tenha realmente despertado no coração de um homem, não lhe resta qualquer esperança de paz, nenhum lugar para descanso ou conforto em todo o mundo. Ele é impelido para os locais selvagens e desolados da vida por um incessante tormento e uma inquietude que não consegue apaziguar. O seu coração está demasiado cheio de paixão e desejo egoísta para lhe permitir passar pelo Portal de Ouro; ele não consegue encontrar descanso ou paz na vida comum. Terá ele então de cair inevitavelmente na feitiçaria e na magia negra, e através de muitas encarnações acumular para si um carma terrível? Não há outro caminho para ele?
Certamente que há, respondemos. Que ele não aspire a mais do que aquilo que se sinta capaz de realizar. Que ele não escolha carregar um fardo pesado demais para si. Sem nem mesmo exigir dele que se torne um Mahatma, um Buda ou um Grande Santo, deixe-se que estude a filosofia e a “Ciência da Alma”, e ele poderá tornar-se um dos modestos benfeitores da Humanidade, sem qualquer dos poderes “super-humanos”. Os Siddhis (ou os poderes do Arhat) são reservados unicamente para aqueles que são capazes de consagrar sua vida, sujeitar-se aos terríveis sacrifícios exigidos por um tal treinamento, e sujeitar-se a eles ao pé da letra. Que eles saibam de uma vez por todas e lembrem sempre que o verdadeiro Ocultismo ou Teosofia é a “Grande Renúncia ao eu”, incondicional e absolutamente, tanto em pensamento como em ação. É ALTRUÍSMO, e também lança aquele que o pratica totalmente para fora do cômputo das fileiras dos vivos. “Não para si, mas para o mundo, ele vive”, tão logo tenha comprometido a si mesmo com a obra. Muito é perdoado durante os primeiros anos de provação. Mas tão logo seja ele “aceito”, sua personalidade tem de desaparecer, e ele tem de se tornar uma mera força benéfica da Natureza. Depois disso, só há dois pólos opostos perante ele, duas sendas, e nenhum lugar intermediário para descanso. Ou ele ascende trabalhando com afinco, degrau por degrau, geralmente através de numerosas encarnações e sem intervalo para repouso no Devachan, à escada de ouro que leva à condição de Mahttma (a condição de Arhat ou Bodhisattva), - ou ele se permitirá escorregar escada abaixo ao primeiro passo dado em falso, e despencar até a condição de Dugpa...
Tudo isso ou é desconhecido ou totalmente deixado de lado. Na realidade, aquele que é capaz de seguir a evolução silenciosa das aspirações preliminares dos candidatos, com freqüência descobre estranhas idéias que vão mansamente tomando posse de suas mentes. Há aqueles cujas faculdades de raciocínio foram tão distorcidas por influências estranhas, que imaginam que as paixões animais podem ser de tal modo sublimadas e elevadas que sua fúria, força e fogo podem, por assim dizer, ser dirigidas para dentro; que elas podem ser armazenadas e reprimidas em seu peito, até que sua energia seja, não-expandida, mas direcionada para propósitos mais elevados e mais sagrados: isto é, até que sua força coletiva e não-expandida permita ao seu possuidor entrar no verdadeiro Santuário da Alma e lá permanecer na presença do Mestre - o EU SUPERIOR. Em nome deste propósito, eles não lutarão com suas paixões nem as matarão. Eles simplesmente, por um forte esforço de vontade, acalmarão as violentas chamas e as manterão encerradas dentro de suas próprias naturezas, permitindo ao fogo arder sob uma fina camada de cinzas. Eles se submetem jovialmente à tortura do menino espartano que preferiu permitir à raposa devorar suas entranhas a desfazer-se dela. Oh, pobres visionários cegos!
Seria o mesmo que esperar que um bando de limpadores de chaminés bêbados, exaltados e sujos por causa de seu trabalho, pudessem ser encerrados num Santuário coberto com o linho mais puro e branco, e que, em vez de com sua presença sujar e transformar o lugar num monte de retalhos imundos, eles se tornassem mestres do recinto sagrado, e que finalmente de lá saíssem tão imaculados quanto o próprio recinto. Por que não imaginar que uma dúzia de cangambás aprisionados na atmosfera pura de um Dgon-pa (mosteiro) possam sair dali impregnados com todos os perfumes e incensos lá usados?... Estranha aberração da mente humana. Poderia isto ser possível? Investiguemos.
O “Mestre”, no Santuário de nossas Almas, é “o Eu Superior” - o espírito divino cuja consciência está baseada na Mente e apenas dela deriva (tal ocorre, de qualquer modo, durante a vida mortal do homem na qual ela se encontra cativa), e à qual convencionamos chamar de Alma Humana (sendo a “Alma Espiritual” o veículo do Espírito). Por sua vez, aquela (a alma pessoal ou humana) é, na sua forma mais elevada, um composto de aspirações espirituais, volições e amor divino; e em seu aspecto inferior, de desejos animais e de paixões terrestres que lhe são transmitidas por sua associação com o seu veículo, a sede de tudo isso. Ela desempenha o papel, portanto, de um elo e um meio entre a natureza animal do homem, a qual sua razão superior tenta subjugar, e a sua natureza espiritual divina em direção à qual ela gravita, sempre que obtiver vantagem em sua luta com o animal interior. Este último é a instintiva “Alma animal”, e é o antro daquelas paixões que, como acabamos de mostrar, são acalentadas em vez de aniquiladas, e que alguns entusiastas imprudentes mantêm encerradas em seu peito. Será que eles ainda esperam desse modo transformar a corrente imunda do esgoto animal nas águas cristalinas da vida? E onde, em que terreno neutro, podem elas ser aprisionadas de modo a não afetarem o homem? As violentas paixões do amor e da luxúria ainda estão vivas, e ainda se lhes permite permanecer no lugar de seu nascimento - aquela mesma alma animal; pois tanto as porções superior e inferior da “Alma Humana” ou Mente rejeitam semelhantes companhias, ainda que não possam evitar ser maculadas por tais vizinhos. O “Eu Superior” ou Espírito é tão incapaz de assimilar tais sentimentos como o é a água de se misturar com o óleo ou impurezas líquidas gordurosas. Assim, é apenas a mente - o único vínculo e meio entre o homem da terra e o Eu Superior - que é a única sofredora, e que está em constante perigo de ser tragada por aquelas paixões, que podem ser reavivadas a qualquer momento, e perecer no abismo da matéria. E como pode ela alguma vez se afinar com a divina harmonia do Princípio superior, quando aquela harmonia é destruída pela mera presença de tais paixões animais, dentro do Santuário em preparação? Como pode a harmonia prevalecer e vencer quando a alma está maculada e distraída pelo turbilhão das paixões e pelos desejos terrenos dos sentidos do corpo, ou mesmo pelo “homem Astral”?
Pois este “Astral” - o “duplo” sombrio (tanto no animal como no homem) - não é o companheiro do Ego divino, mas do corpo terrestre. É o vínculo entre o eu pessoal, a consciência inferior de Manas, e o Corpo, e é o veículo da vida transitória, não da vida imortal. Tal qual a sombra projetada pelo homem, ele segue seus movimentos e impulsos servil e mecanicamente, apoiando-se assim na matéria sem jamais ascender ao Espírito. Somente quando o poder das paixões estiver totalmente morto, e elas tiverem sido esmagadas e aniquiladas na retorta de uma vontade inquebrantável; quando não apenas toda luxúria e desejos da carne estiverem mortos, mas também quando o reconhecimento do eu pessoal tiver sido aniquilado, e o “Astral”, conseqüentemente, tiver sido reduzido a zero, é que pode ocorrer a União com o “Eu Superior”. Assim, quando o “Astral” refletir apenas o homem conquistado, o que ainda vive mas que não mais deseja, a personalidade egoísta, então o brilhante Augoeides, o EU divino, pode vibrar em harmonia consciente com ambos os pólos da Entidade humana - o homem de matéria purificada, e a sempre pura Alma Espiritual - e erguer-se na presença do EU SUPERIOR (10) , o Cristo dos Gnósticos místicos, congraçado, imerso, unido com ELE para sempre. (11)
Como, então, poderia ser possível conceber que um homem entrasse pela “porta estreita” do Ocultismo quando seus pensamentos, a cada dia e hora, estão presos a coisas mundanas, desejos de posse e poder, à luxúria, à ambição, e aos deveres que, embora honrosos, são ainda da terra, terrenais? Mesmo o amor pela esposa e a família - a mais pura e mais altruísta das afeições humanas - é uma barreira ao verdadeiro Ocultismo. Pois se tomarmos como exemplo o sagrado amor de uma mãe por seu filho, ou o de um marido por sua esposa, mesmo nestes sentimentos, quando analisados em profundidade, e examinados criteriosamente, ainda há egoísmo no primeiro, e um egoïsme a deux (12) no segundo exemplo.
Que mãe não sacrificaria, sem hesitar sequer um instante, centenas e milhares de vidas pela vida do seu filho do coração? E que amante ou marido digno deste nome não destruiria a felicidade de qualquer outro homem ou mulher ao seu redor para satisfazer o desejo daquela a quem ele ama? Mas isso é natural, dirão. Certamente, do ponto de vista das afeições humanas; mas não à luz do princípio daquele amor divino universal. Pois, enquanto o coração estiver cheio de pensamentos voltados para um pequeno grupo de eus, que nos são próximos e caros, que valor terá o resto da Humanidade em nossas almas? Que percentagem de amor e cuidado permanecerá para dispensar à “grande órfã” (13)? E como a “ainda pequenina voz” far-se-á ouvida numa alma totalmente ocupada por seus próprios inquilinos privilegiados? Que espaço resta ali onde possam as necessidades da Humanidade imprimir-se em bloco, ou mesmo receber uma rápida resposta? E ainda assim, aquele que poderia lucrar com a sabedoria da mente universal tem que alcançá-la através do todo da Humanidade sem distinção de raça, cor, religião ou posição social. É o altruísmo e não o egoísmo, mesmo em sua concepção mais nobre e legal, que pode levar o indivíduo a fundir o seu pequeno eu no Eu Universal. É para estas necessidades e para esta obra que o verdadeiro discípulo do verdadeiro Ocultismo tem de se devotar se quiser alcançar a teosofia, a Sabedoria e o Conhecimento Divinos.
O aspirante tem de escolher absolutamente entre a vida do mundo e a vida do Ocultismo. É inútil e vão empenhar-se em unir os dois, pois ninguém pode servir a dois mestres e satisfazer a ambos. Ninguém pode servir ao seu corpo e à Alma superior, e cumprir com suas obrigações familiares e deveres universais, sem privar um ou outro de seus direitos; pois ou ele dará ouvidos à “ainda pequenina voz” e falhará em ouvir os apelos de seus pequeninos, ou ouvirá apenas os desejos destes e permanecerá surdo à voz da Humanidade. Isso seria uma luta incessante e enlouquecedora para quase todo homem casado que estivesse procurando o verdadeiro Ocultismo prático, em vez de sua filosofia teórica. Pois ele encontrar-se-ia sempre hesitante entre a voz impessoal do divino amor pela Humanidade, e a do amor terreno, pessoal. E isso só poderia conduzi-lo a falhar em um ou outro, ou talvez em ambas as obrigações. Pior do que isto. Pois, quem quer que seja indulgente, uma vez que tenha comprometido a si mesmo com o OCULTISMO, na gratificação de luxúria e amor terrenos, sentirá quase imediatamente um resultado: será irresistivelmente arrastado do estado impessoal divino para o plano inferior da matéria. A autogratificação sensual, ou mesmo mental, envolve a perda imediata dos poderes de discernimento espiritual; a voz do MESTRE não pode mais ser distinguida daquela das paixões pessoais, ou mesmo da voz de um Dugpa; o certo do errado; a firme moralidade do mero casuísmo. O fruto do Mar Morto assume a mais gloriosa aparência mística, apenas para se tornar cinzas nos lábios e fel no coração, resultando em:
“Profundeza mais que profunda, treva mais que escura;
A insensatez pela sabedoria, a culpa pela inocência;
A angústia pelo êxtase, e pela esperança, o desespero.”
E uma vez estando enganados e tendo agido segundo seus erros, a maioria dos homens recusa-se a reconhecer os seus erros, e assim descem, afundando-se cada vez mais baixo na lama. E muito embora seja a intenção que determina primariamente se a prática é de magia branca ou negra, ainda assim os resultados, mesmo da feitiçaria involuntária e inconsciente não deixarão de produzir mau carma. Muito já se falou para mostrar que feitiçaria é qualquer tipo de influência maléfica aplicada em outras pessoas, fazendo com que sofram ou façam outras pessoas sofrerem, por conseqüência. O carma é uma pedra pesada lançada sobre as plácidas águas da vida; e tem de produzir círculos cada vez mais amplos, que se expandem mais e mais, quase ad infinitum. Tais causas, uma vez produzidas, terão de gerar efeitos, e estes evidenciam-se nas justas leis de Retribuição.
Muito disso poderia ser evitado se as pessoas apenas se abstivessem de partir para práticas cuja natureza ou importância elas não compreendem. Não se espera que alguém carregue um fardo além de suas forças e capacidades. Existem “magos de nascença”; Místicos e Ocultistas de nascimento, por direito de herança direta de uma série de encarnações e eons de sofrimentos e fracassos. Estes são “à prova de paixões”, por assim dizer. Nenhum fogo de origem terrena pode inflamar quaisquer de seus sentidos ou desejos, nenhuma voz humana pode encontrar resposta em suas almas, exceto o grande clamor da Humanidade. Apenas estes podem ter certeza do sucesso. Mas somente podem ser encontrados em lugares distantes e ermos, e eles passam pelas estreitas portas do Ocultismo porque não carregam qualquer bagagem de sentimentos humanos transitórios consigo. Livraram-se do sentimento da personalidade inferior, paralisaram desse modo o animal “astral ”, e assim a porta de ouro, conquanto estreita, se abre ante eles. Tal não ocorre com aqueles que ainda precisam carregar por várias encarnações os fardos dos pecados cometidos em vidas prévias, e mesmo em suas vidas atuais. Para esses, a não ser que prossigam com grande cuidado, a porta de ouro da Sabedoria pode ser transformada na porta larga, “o espaçoso caminho que conduz à perdição” (14), e por isso “muitos são os que entram por ele”. Esta é a Porta das Artes Ocultas, praticadas por motivos egoístas e sem contar com a moderadora e benéfica influência de ÂTMA-VIDYÂ! . Estamos no período de Kali Yuga, e sua influência fatal é mil vezes mais poderosa no Ocidente do que no Oriente; daí as presas fáceis dos Poderes da Idade das Trevas neste conflito cíclico, e as muitas ilusões com as quais o mundo está agora labutando. Uma destas, é a relativa facilidade com que os homens fantasiam poder alcançar o “Portal” e atravessar o umbral do Ocultismo sem qualquer grande sacrifício. É o sonho da maioria dos teósofos, sonho inspirado pelo desejo de poder e pelo egoísmo pessoal, e não são tais sentimentos que poderão conduzi-los à meta desejada. Pois, como bem enunciado por aquele que se crê ter sacrificado a si mesmo pela Humanidade - “estreita é a porta e apertado é o caminho que conduz à vida eterna”, e portanto “poucos são os que o encontram” (15). Tão apertado na realidade, que à simples menção de algumas das dificuldades preliminares, os apavorados candidatos ocidentais viram as costas e recuam tremendo...
Que parem por aqui e não façam mais tentativas em sua grande fraqueza. Pois, se enquanto viram as costas à porta estreita eles são arrastados por seu desejo pelo Oculto, um passo que seja na direção da Porta espaçosa e mais convidativa daquele mistério dourado que brilha na luz da ilusão, pior para eles! Só podem ser levados aos domínios inferiores do estado de Dugpa, e certamente logo encontrar-se-ão naquela Via Fatale do Inferno, por sobre cujos portais Dante gravou essas palavras:
“Per me si va nella città dolente
Per me si va nell’ eterno dolore
Per me si va tra la perduta gente...” (16)
NOTAS
(1) Diz a Nota Introdutória do livro Ocultismo Prático (pag. 91): “H. P. Blavatsky (1831-1981), precursora do Ocultismo Moderno e uma das fundadoras da Sociedade Teosófica (S. T.), foi também considerada fundadora da Nova Era (vide o livro Helena P. Blavatsky; A Vida e a Influência Extraordinária da Fundadora do Movimento Teosófico Moderno, de Sylvia Cranston, Brasília, Ed. Teosófica, 1997. p.558), publicou o artigo Ocultismo Prático (que ali ela define como ‘Ciência Oculta’) na revista Lúcifer (literalmente: ‘O Portador da Luz’) de abril de 1888, cuja repercussão foi tal que necessitou outro artigo - Ocultismo Versus Artes Ocultas - publicado no mês seguinte, na citada revista, para oferecer maiores explanações sobre o tema. (...)” Voltar.
(2) Sciences, no original em inglês. (N. Ed. brasileira). Voltar.
(3) Rio da Mitologia Grega que separava o mundo dos vivos e dos mortos. (N. Ed. brasileira). Voltar.
(4) Sciences, no original em inglês. (N. ed. brasileira). Voltar.
(5) Idem. Voltar.
(6) English tongue, no original em inglês. (N. ed. brasileira). Voltar.
(7) “O Yajaña”, dizem os Brahmans, “existe desde a eternidade, pois procede do Ser Supremo... no qual subjaz latente desde o ‘não-princípio’. É a chave para o TRAIVIDYÂ, a ciência três vezes sagrada contida no Rig Veda, que ensina os Yagas ou mistérios sacrificiais. ‘O Yajña’ existe como algo invisível o tempo todo; é como o poder latente da eletricidade, que para ser liberado num dínamo, necessita apenas da operação de um aparato adequado. Diz-se que se estende desde o Ahavaniya ou fogo sacrificial até os céus, formando uma ponte ou escada por meio da qual o oficiante do sacrifício pode se comunicar com o mundo dos deuses e espíritos, e até mesmo ascender, enquanto vivo, até suas moradas” - Aitareya Brahmana, de Martin Haug. Este Yajña é novamente uma forma de Âkâsa; é a palavra que o invoca, pronunciada pelo Sacerdote Iniciado, é a Palavra Perdida impulsionada pelo PODER DA VONTADE” - Ísis Sem Véu, Vol. I,. Intr. Veja Aitareya Brahamana, de Haug. Voltar.
(8) Vide COLLINS, Mabel. Luz no Caminho. Brasília, Ed. Teosófica, 1999. (N. ed. bras.). Voltar.
(9) Sciences, no original em inglês. (N. ed. brasileira). Voltar.
(10) Master Self, no original em inglês, podendo também significar o Mestre Interno. (N. ed. bras.). Voltar.
(11) Aqueles que se sentissem inclinados a ver três EGOS em um homem mostrar-se-iam incapazes de perceber o sentido metafísico. O homem é uma trindade composta de Corpo, Alma e Espírito; mas o homem, apesar de tudo é uno, e certamente não é o seu corpo. Este último é apenas a propriedade, a vestimenta transitória do homem. Os três “EGOS” são o HOMEM em seus três aspectos nos planos ou estados astral, intelectual (ou psíquico), e Espiritual. Voltar.
(12) Em francês: egoísmo a dois. (N. ed. bras.). Voltar.
(13) A autora está referindo-se à “Humanidade”. (N. ed. bras.). Voltar.
(14) Mateus, 7:13.Voltar.
(15) Mateus, 7:14. Voltar.
(16) ALIGHIERE, Dante. A Divina Comédia. Canto 3: “Por mim se entra no reino das dores; por mim se chega ao padecer eterno; por mim se vai à condenada gente”. 1999 (N. ed. bras.). Voltar.
Tradução de Edvaldo de Souza Batista (membro da S. T. pela Loja Koot Hoomi, de Salvador-BA); revisão técnica de Ricardo Lindemann (membro da S. T. pela Loja Dharma, de Porto Alegre-RS).
Loja Fênix: http://pagina.de/lojafenix
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